Esse post é uma reposta a um e-mail que recebi de um amigo, Rafael Ferraz. Então caso não tenha visto o primeiro topico, da um pulo
aqui, é essencial ter lido o texto original pra entender o debate.
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Olá Sadeck, primeiramente gostaria de saudá-lo pela decisão
de finalmente começar o seu blog e espero sinceramente que você não o deixe
morrer, pois tenho fé que tens muito que contribuir com o público em geral. Mas
anyway... hoje você fez esse post muito bem escrito, no qual não concordamos em
nada, então vamos a argumentação:
R:
É um prazer debater com gente sensata, e muito obrigado pelo feedback.
1 – para começar há um aspecto que você não deu a devida
importância no primeiro argumento: o de que nem todos os anos de estudo tem a
mesma importância na aprovação no vestibular, em especial os últimos anos tem
uma importância a mais em relação aos anteriores, afinal, todos que fizemos
vestibular vimos alunos que nunca mostraram algum brilhantismo sendo aprovados,
enquanto outros, ditos preferidos, ficando para o cursinho (ainda que seja
raro) então, eu não diria que um acontecimento decorrido ao longo dos primeiros
anos de escola vá afetar tão significativamente o desempenho de um aluno no
ultimo ano.
R:
Nem todos os anos tem a devida importância, o ultima na verdade
vale muito mais, concordo com isso, entretanto esse não é o ponto. Só citei
sobre os 18 anos de formação porque é muito intuitivo pensar que o racismo não
vai atrapalhar os estudos, o ato de estudar, afinal, ninguém vai entrar no seu
quarto e te impedir de ler livros, resolver exercícios e etc. No próximo item
comento melhor onde eu quis chegar.
2 – outra possível falha foi o uso do termo “depressão”,
pois bem, aqui vai a definição de depressão segundo o Dr. Dráuzio Varella:
"(...)uma doença
psiquiátrica, crônica e recorrente, que produz uma alteração do humor
caracterizada por uma tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de
dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, assim como a
distúrbios do sono e do apetite." (VARELLA, Dráuzio. Depressão.http://drauziovarella.com.br/letras/d/depressao/)
Sim, eu acredito que o
racismo possa causar esse efeito, mas não creio que ele seja tão comum ao ponto
de justificar a criação de cotas para corrigi-lo, e mesmo que fosse, esta não
seria a melhor solução.
R:
Talvez exista uma
diferença na sua percepção do racismo para minha, eu vejo uma evolução muito
grande na forma de ver o bullying e a depressão, antes o censo comum chamava
de frescura e pronto, agora já existe uma maior compreensão das nuances, ao passo
que o a vítima de racismo ainda é frequentemente acusada de coitadíssimo. Falei
de depressão justamente para causar impacto e por seus efeitos e prejuízos a
vida social ser do conhecimento comum, queria exemplificar como algo não diretamente
relacionado aos estudos o afeta.
Na minha percepção, o
racismo causa sim grave prejuízo social. É algo tão intrínseco a nossa cultura
que realmente é difícil notar seus reais efeitos; algo que gosto de citar é a
falta de referencial que o negro sofre, afinal, a elite intelectual brasileira
é predominantemente branca, o que pode causar uma ideia de não pertencimento
desse escalão social, essa simples falta de identidade já impulsiona a exclusão
social, é um obstáculo que os privilegiados não possuem.
Cota não é um sistema ideal
perfeito, concordo que é falho, mas é viável.
Imaginemos agora que o
âmbito acadêmico do termo “depressão” foi desprezado, e que você quis
simplesmente dizer “abalo emocional”. Neste caso, outras classes também
deveriam entrar no sistema de cotas. Veja bem, existem pessoas seriamente
abaladas por serem gordas, por falta de habilidade em esportes, por não saber o
paradeiro do pai ou por outros fatores que podem inclusive se somar ao ponto de
se tornarem mais graves que certas proporções de racismo, e portanto, nesses
casos estas pessoas deveriam ser amparadas por uma cota também.
R:
Confesso que a
primeira vez que me deparei com esse argumento fiquei sem resposta, é bem
pertinente. Eu uso um conceito que não tenho certeza se roubei de algum lugar
ou criei, de qualquer forma, chamo de Carga social. Alguns problemas possuem
cargas sociais maiores que outros, ou seja, alguns têm maior efeito na
sociedade, tanto pela gravidade quanto pela quantidade. O problema racial
possui uma enorme carga social.
É bem difícil mensurar isso, mas existem
alguns indicadores na sociedade tal como a situação estatística. É uma
desproporção absurda quando comparamos o numero de habitantes negros e sua
correspondência na hierarquia social, mesmo levando em conta a condição
econômica. Confesso que o ideal seria eu apresentar os dados exatos, mas
acredito ser possível contar com sua boa vontade e percepção de realidade.
Provavelmente você só
quis usar o sobrepeso como exemplo de um problema que se enquadra no meu
argumento, então não vou contestar diretamente essa característica ate porque
ela é medicamente ruim para a sociedade e , ainda mais importante, é mudável. O
que quero apontar aqui é algo que concordamos: O sistema de cotas não é
perfeito. Alguns desses problemas são possíveis ações pontuais que acredito
serem mais efetiva, porém, mais importante do que tudo que disse agora, a ação
afirmativa cotas raciais não é sobre tornar o processo seletivo da faculdade
mais justo, é sobre corrigir uma falha social.
Cada grupo
desprivilegiado é desprivilegiado de forma diferente, se o problema social for
a má distribuição na hierarquia e ações pontuais não forem viáveis, como o caso
dos negros, eu acho ok as cotas para esse grupo, afinal, a faculdade serve como
mola social e nesse caso seria apenas um instrumento e não o objetivo.
3 – Sobre esse ponto
da facilidade/dificuldade para arrumar emprego há uma questão que ficou difusa.
Se o que você falou for verdade, então o mais justo seria que todos os
empregos, públicos e privados tivessem um sistema de cotas. Do frentista de
posto de gasolina ao procurador da república, pois do contrário os negros com
curso superior enfrentariam o mesmo problema, mas na esfera das pessoas COM
nível superior (eles se formariam, mas na hora de procurar emprego em sua área
os brancos ainda seriam preferidos).
R:
Eu meio que já respondi
no item anterior, as cotas não são para resolver o problema diretamente.
Conforme minha compreensão da sociedade, esses problemas vão ocorrer de
imediato, mas conforme os negros crescem na escala social menor se tornará o
preconceito. Reforçando, a cota não tem como objetivo final fazer um negro se formar
e conseguir um bom emprego, mas sim mudar a condição social tal como a visão da
sociedade com esse grupo.
4 – A respeito do uso
do termo “opressão”: nossa sociedade NÃO é opressora. Sim, os brancos têm de
fato mais privilégios que os negros, mas atualmente a maioria branca NÃO abraça
o racismo, muito pelo contrário, o racismo é visto com maus olhos pela parte
majoritária da sociedade. Fazendo um pequeno exercício social, ao ver uma
situação de racismo corriqueira, imagine quantas das pessoas que você conhece
se manifestariam a favor? Quantas se manifestariam contra? Tenho certeza que o
número foi bem diferente. Só pra garantir, não estou dizendo que nossa
sociedade é igualitária, apenas que também não é opressora.
R:
Agora sim tenho
certeza que enxergamos o racismo de forma diferente, o fio da miada está nessa
pergunta: “ao ver uma situação de racismo corriqueira, imagine quantas das
pessoas que você conhece se manifestariam a favor? Quantas se manifestariam
contra? Tenho certeza que o número foi bem diferente.” Já falei a cima disso,
mas vou me aprofundar um pouco agora, o racismo não é só ataque explicito!
Nossa sociedade é extremamente opressora nos mínimos detalhes, muita vezes nem
se percebe. Sabe aquele famoso comentário sobre não ser racista, pois tem amigo
negro? Então, é um perfeito retrato da compreensão do nosso racismo,
preconceito não é sobre não conseguir se relacionar com um grupo ou xingar uma
pessoa, isso já é estupidez em excesso.
Na verdade, não é por
que não existe apoio publico a uma atitude que não significa que a sociedade
não a tolera e pratica, ou será que 80% das vitimas de assassinato são negras
simplesmente por problema econômico?
Opressão não é apenas
holocausto. Por que uma pessoa branca é bonita e um negro é um negão bonito?
Viver em uma sociedade em que você não é normal, conforme o pensamento
dominante, é opressor.
5 – O fato de ser uma medida afirmativa ou temporária não
muda o fato de que não é uma medida eficaz (ou que só é eficaz pra aumentar o
número de minorias étnicas na universidade, sem diminuir o pré-conceito e
servindo de argumento inclusive para incitá-lo). Nós sabemos que o governo
brasileiro é mestre em tapar o sol com a peneira, e já vimos várias medidas
“temporárias” se tornarem prejuízos consideráveis em longo prazo (vide bolsa
família, auxílio reclusão...). O problema da inserção do negro na sociedade
poderia ser trabalhado de outras formas bem mais justas do que deixar certos
indivíduos de fora da universidade, uma informação bem fácil de achar é que 3 a
cada 4 crianças matriculadas até o quinto ano estudam em escolas públicas,
assim o governo tem todo o espaço amostral que precisa pra fazer quantas
campanhas humanitárias quiser para difundir a igualdade. Aliás, mesmo antes das
cotas entrarem em vigor, o número de negros nas universidades já estava
aumentando, como mostra esta imagem do notíciasterra, mas cuja fonte é o IBGE(lembrando
que as cotas passaram a valer em todas
as universidades a partir de 2012):
R:
O objetivo é aumentar a normalidade, inserir os negros em
todas as escalas sociais e o ensino superior é o
instrumento, nesses termos parece-me eficaz. Mais uma vez, as cotas não são perfeitas, mas
bem razoáveis e viáveis. Ninguém discorda que a solução final é extinguir o
preconceito e ter ensino publico de alta qualidade, quando se fala de ações
afirmativas é a busca por mudanças a curta e médio prazo.
Os dados apresentados são um ótimo argumento, ainda que
fosse de mais valia separar pretos e pardos e saber os critérios. Vale também ressaltar que os brancos também
tiveram aumento significativo, então a proporção não mudou tanto. Além da
validade e realidade desses dados, será que intensificar o processo a custa de
1 ou outra vaga de alguém que terá mais oportunidades é ruim? Se quisermos
melhorar a sociedade cada grupo terá que abrir mão de seus privilégios.
Por fim vale comentar essa pesquisa sem fonte da IstoÉ, que
usa casos pontuais para tentar estabelecer uma “regra”. A tal pesquisa diz que
90% dos professores de 4 universidades federais afirmam que as cotas não
fomentam o racismo. Para começar, não seria mais conveniente fazer esta
pesquisa com os alunos em vez de com os professores? Quem já estudou em uma
universidade federal sabe que a atenção que a maioria dos professores tem com
os alunos não pode ser dita “especial”, e a própria lógica mostra que quando a
disputa pelas vagas se torna segregativa, com um ou outro grupo étnico
recebendo privilégios (uma porcentagem das vagas garantida é indiscutivelmente
um privilégio) em detrimento dos demais grupos o próprio racismo está sendo
fomentado (embora não hajam, ou eu apenas não encontrei dados suficientes para
dar uma perspectiva panorâmica a isso). Isso vai contra o sonho de um dos meus
ídolos pessoais, Luther King que sonhava com um mundo onde as pessoas não
fossem julgadas pela cor da pele, mas pela firmeza do caráter.
R:
Vagas de deficiente são privilégios? Isso incita o ódio? Eu
entendo seu ponto, de verdade, mas não concordo. Minha resposta a esse item
esta dissolvida por todo texto, então gostaria de concluir com um pensamento: Tratamento
igual aos iguais. Até lá, o nosso ídolo vai ter que esperar.
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