segunda-feira, 28 de julho de 2014

Tréplica ao leitor - Cotas Raciais

Esse post é uma reposta a um e-mail que recebi de um amigo, Rafael Ferraz. Então caso não tenha visto o primeiro topico, da um pulo aqui, é essencial ter lido o texto original pra entender o debate.
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Olá Sadeck, primeiramente gostaria de saudá-lo pela decisão de finalmente começar o seu blog e espero sinceramente que você não o deixe morrer, pois tenho fé que tens muito que contribuir com o público em geral. Mas anyway... hoje você fez esse post muito bem escrito, no qual não concordamos em nada, então vamos a argumentação:
R:
É um prazer debater com gente sensata, e muito obrigado pelo feedback.

1 – para começar há um aspecto que você não deu a devida importância no primeiro argumento: o de que nem todos os anos de estudo tem a mesma importância na aprovação no vestibular, em especial os últimos anos tem uma importância a mais em relação aos anteriores, afinal, todos que fizemos vestibular vimos alunos que nunca mostraram algum brilhantismo sendo aprovados, enquanto outros, ditos preferidos, ficando para o cursinho (ainda que seja raro) então, eu não diria que um acontecimento decorrido ao longo dos primeiros anos de escola vá afetar tão significativamente o desempenho de um aluno no ultimo ano.

R:
Nem todos os anos tem a devida importância, o ultima na verdade vale muito mais, concordo com isso, entretanto esse não é o ponto. Só citei sobre os 18 anos de formação porque é muito intuitivo pensar que o racismo não vai atrapalhar os estudos, o ato de estudar, afinal, ninguém vai entrar no seu quarto e te impedir de ler livros, resolver exercícios e etc. No próximo item comento melhor onde eu quis chegar.

2 – outra possível falha foi o uso do termo “depressão”, pois bem, aqui vai a definição de depressão segundo o Dr. Dráuzio Varella:
"(...)uma doença psiquiátrica, crônica e recorrente, que produz uma alteração do humor caracterizada por uma tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, assim como a distúrbios do sono e do apetite." (VARELLA, Dráuzio. Depressão.http://drauziovarella.com.br/letras/d/depressao/)
Sim, eu acredito que o racismo possa causar esse efeito, mas não creio que ele seja tão comum ao ponto de justificar a criação de cotas para corrigi-lo, e mesmo que fosse, esta não seria a melhor solução.
R: 
Talvez exista uma diferença na sua percepção do racismo para minha, eu vejo uma evolução muito grande na forma de ver o bullying e a depressão, antes o censo comum chamava de frescura e pronto, agora já existe uma maior compreensão das nuances, ao passo que o a vítima de racismo ainda é frequentemente acusada de coitadíssimo. Falei de depressão justamente para causar impacto e por seus efeitos e prejuízos a vida social ser do conhecimento comum, queria exemplificar como algo não diretamente relacionado aos estudos o afeta.

Na minha percepção, o racismo causa sim grave prejuízo social. É algo tão intrínseco a nossa cultura que realmente é difícil notar seus reais efeitos; algo que gosto de citar é a falta de referencial que o negro sofre, afinal, a elite intelectual brasileira é predominantemente branca, o que pode causar uma ideia de não pertencimento desse escalão social, essa simples falta de identidade já impulsiona a exclusão social, é um obstáculo que os privilegiados não possuem.

 Cota não é um sistema ideal perfeito, concordo que é falho, mas é viável.


Imaginemos agora que o âmbito acadêmico do termo “depressão” foi desprezado, e que você quis simplesmente dizer “abalo emocional”. Neste caso, outras classes também deveriam entrar no sistema de cotas. Veja bem, existem pessoas seriamente abaladas por serem gordas, por falta de habilidade em esportes, por não saber o paradeiro do pai ou por outros fatores que podem inclusive se somar ao ponto de se tornarem mais graves que certas proporções de racismo, e portanto, nesses casos estas pessoas deveriam ser amparadas por uma cota também.

R: 
Confesso que a primeira vez que me deparei com esse argumento fiquei sem resposta, é bem pertinente. Eu uso um conceito que não tenho certeza se roubei de algum lugar ou criei, de qualquer forma, chamo de Carga social. Alguns problemas possuem cargas sociais maiores que outros, ou seja, alguns têm maior efeito na sociedade, tanto pela gravidade quanto pela quantidade. O problema racial possui uma enorme carga social.

 É bem difícil mensurar isso, mas existem alguns indicadores na sociedade tal como a situação estatística. É uma desproporção absurda quando comparamos o numero de habitantes negros e sua correspondência na hierarquia social, mesmo levando em conta a condição econômica. Confesso que o ideal seria eu apresentar os dados exatos, mas acredito ser possível contar com sua boa vontade e percepção de realidade. 

Provavelmente você só quis usar o sobrepeso como exemplo de um problema que se enquadra no meu argumento, então não vou contestar diretamente essa característica ate porque ela é medicamente ruim para a sociedade e , ainda mais importante, é mudável. O que quero apontar aqui é algo que concordamos: O sistema de cotas não é perfeito. Alguns desses problemas são possíveis ações pontuais que acredito serem mais efetiva, porém, mais importante do que tudo que disse agora, a ação afirmativa cotas raciais não é sobre tornar o processo seletivo da faculdade mais justo, é sobre corrigir uma falha social.

Cada grupo desprivilegiado é desprivilegiado de forma diferente, se o problema social for a má distribuição na hierarquia e ações pontuais não forem viáveis, como o caso dos negros, eu acho ok as cotas para esse grupo, afinal, a faculdade serve como mola social e nesse caso seria apenas um instrumento e não o objetivo.

3 – Sobre esse ponto da facilidade/dificuldade para arrumar emprego há uma questão que ficou difusa. Se o que você falou for verdade, então o mais justo seria que todos os empregos, públicos e privados tivessem um sistema de cotas. Do frentista de posto de gasolina ao procurador da república, pois do contrário os negros com curso superior enfrentariam o mesmo problema, mas na esfera das pessoas COM nível superior (eles se formariam, mas na hora de procurar emprego em sua área os brancos ainda seriam preferidos).

R: 
Eu meio que já respondi no item anterior, as cotas não são para resolver o problema diretamente. Conforme minha compreensão da sociedade, esses problemas vão ocorrer de imediato, mas conforme os negros crescem na escala social menor se tornará o preconceito. Reforçando, a cota não tem como objetivo final fazer um negro se formar e conseguir um bom emprego, mas sim mudar a condição social tal como a visão da sociedade com esse grupo.


4 – A respeito do uso do termo “opressão”: nossa sociedade NÃO é opressora. Sim, os brancos têm de fato mais privilégios que os negros, mas atualmente a maioria branca NÃO abraça o racismo, muito pelo contrário, o racismo é visto com maus olhos pela parte majoritária da sociedade. Fazendo um pequeno exercício social, ao ver uma situação de racismo corriqueira, imagine quantas das pessoas que você conhece se manifestariam a favor? Quantas se manifestariam contra? Tenho certeza que o número foi bem diferente. Só pra garantir, não estou dizendo que nossa sociedade é igualitária, apenas que também não é opressora.

R: 
Agora sim tenho certeza que enxergamos o racismo de forma diferente, o fio da miada está nessa pergunta: “ao ver uma situação de racismo corriqueira, imagine quantas das pessoas que você conhece se manifestariam a favor? Quantas se manifestariam contra? Tenho certeza que o número foi bem diferente.” Já falei a cima disso, mas vou me aprofundar um pouco agora, o racismo não é só ataque explicito! Nossa sociedade é extremamente opressora nos mínimos detalhes, muita vezes nem se percebe. Sabe aquele famoso comentário sobre não ser racista, pois tem amigo negro? Então, é um perfeito retrato da compreensão do nosso racismo, preconceito não é sobre não conseguir se relacionar com um grupo ou xingar uma pessoa, isso já é estupidez em excesso.




Na verdade, não é por que não existe apoio publico a uma atitude que não significa que a sociedade não a tolera e pratica, ou será que 80% das vitimas de assassinato são negras simplesmente por problema econômico?

Opressão não é apenas holocausto. Por que uma pessoa branca é bonita e um negro é um negão bonito? Viver em uma sociedade em que você não é normal, conforme o pensamento dominante, é opressor.




5 – O fato de ser uma medida afirmativa ou temporária não muda o fato de que não é uma medida eficaz (ou que só é eficaz pra aumentar o número de minorias étnicas na universidade, sem diminuir o pré-conceito e servindo de argumento inclusive para incitá-lo). Nós sabemos que o governo brasileiro é mestre em tapar o sol com a peneira, e já vimos várias medidas “temporárias” se tornarem prejuízos consideráveis em longo prazo (vide bolsa família, auxílio reclusão...). O problema da inserção do negro na sociedade poderia ser trabalhado de outras formas bem mais justas do que deixar certos indivíduos de fora da universidade, uma informação bem fácil de achar é que 3 a cada 4 crianças matriculadas até o quinto ano estudam em escolas públicas, assim o governo tem todo o espaço amostral que precisa pra fazer quantas campanhas humanitárias quiser para difundir a igualdade. Aliás, mesmo antes das cotas entrarem em vigor, o número de negros nas universidades já estava aumentando, como mostra esta imagem do notíciasterra, mas cuja fonte é o IBGE(lembrando que as cotas passaram a valer em  todas as universidades a partir de 2012):


R:
 O objetivo é aumentar a normalidade, inserir os negros em todas as escalas sociais e o ensino superior é o instrumento, nesses termos parece-me eficaz.  Mais uma vez, as cotas não são perfeitas, mas bem razoáveis e viáveis. Ninguém discorda que a solução final é extinguir o preconceito e ter ensino publico de alta qualidade, quando se fala de ações afirmativas é a busca por mudanças a curta e médio prazo.

Os dados apresentados são um ótimo argumento, ainda que fosse de mais valia separar pretos e pardos e saber os critérios.  Vale também ressaltar que os brancos também tiveram aumento significativo, então a proporção não mudou tanto. Além da validade e realidade desses dados, será que intensificar o processo a custa de 1 ou outra vaga de alguém que terá mais oportunidades é ruim? Se quisermos melhorar a sociedade cada grupo terá que abrir mão de seus privilégios.

Por fim vale comentar essa pesquisa sem fonte da IstoÉ, que usa casos pontuais para tentar estabelecer uma “regra”. A tal pesquisa diz que 90% dos professores de 4 universidades federais afirmam que as cotas não fomentam o racismo. Para começar, não seria mais conveniente fazer esta pesquisa com os alunos em vez de com os professores? Quem já estudou em uma universidade federal sabe que a atenção que a maioria dos professores tem com os alunos não pode ser dita “especial”, e a própria lógica mostra que quando a disputa pelas vagas se torna segregativa, com um ou outro grupo étnico recebendo privilégios (uma porcentagem das vagas garantida é indiscutivelmente um privilégio) em detrimento dos demais grupos o próprio racismo está sendo fomentado (embora não hajam, ou eu apenas não encontrei dados suficientes para dar uma perspectiva panorâmica a isso). Isso vai contra o sonho de um dos meus ídolos pessoais, Luther King que sonhava com um mundo onde as pessoas não fossem julgadas pela cor da pele, mas pela firmeza do caráter.

R: 
Vagas de deficiente são privilégios? Isso incita o ódio? Eu entendo seu ponto, de verdade, mas não concordo. Minha resposta a esse item esta dissolvida por todo texto, então gostaria de concluir com um pensamento: Tratamento igual aos iguais. Até lá, o nosso ídolo vai ter que esperar. 


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